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Pampilhosa da Serra, 26 de setembro de 2043

Fora de Portugal há cerca de 20 anos, ao meu país voltei, amiúde, a convite de educadores, pais de alunos, autarcas empresários, diretores. Por toda a parte, unia, reunia, propunha diálogo a professores renitentes ou desistentes.  Só não conseguia demover dadores de aula do seu absurdo labor. 

Desisti de porfiar no insano apelo a uma decisão ética, mas não desisti de um incansável peregrinar, à procura de professores vivos. Abalei de Alentejo profundo para terras da Beira Interior. 

Boff dizia que a crise que nos afetava não era uma mera crise cíclica e que uma nova ordem mundial se mostrava necessária, um novo modo de habitar a Terra. 

Para “um novo habitar a Terra”, preciso seria uma nova Educação, como aquela que o Professor Patrício deixara em Campo Maior.


Em terras do Atlântico Sul, o Mestre Pedro também não desistia da denúncia das “cortinas de fumaça, para encobrir uma política educacional incrivelmente perversa”:

“Aprendizagem quase não existe, não levamos quase nada para a vida da escola  e a série histórica do Ideb, desde 1995, escancara um sistema inepto, para não dizer inútil, sem perspectiva de mudança. A miséria educacional atravessa os governos, independentemente da ideologia, porque o instrucionismo é a postura padrão, hoje globalizada, também acolhida oficialmente no PISA: o sistema é tipicamente de “ensino”, instrução, baseada na aula copiada para ser copiada.”

Certamente, estareis recordados de vos ter dito que, quando eu era apenas um “dador de aula”, me sentir incomodado com certas atitudes dos meus alunos e de não encontrar resposta para o fato de eu dar boas aulas e haver alunos que não aprendiam. 

Pois a crise moral que me acometeu foi sanada, quando consegui compreender que o “dador de aula” tenta transmitir e… não comunica.

Os forma(ta)dores desse tempo me tinham dito que deveria fazer um planejamento anual, distribuindo matérias, temas, conteúdos por trimestre. Depois, fazer planos trimestrais, quinzenais e semanais. Mais tarde, alguém teve a infeliz ideia de dividir o ano letivo em semestres. Enfim! 

Assistindo a esses e outros disparates, comecei a duvidar da eficácia, a desconfiar da eficiência desses e de outros procedimentos e rotinas, tendo decidido planejar a aula de véspera, o mais próximo possível de dar a aula. 

Nada adiantou. A crise até se agudizou.

Até que achei a origem do meu mal-estar. Quando eu ia dar a aula, não era eu quem estava na sala de aula. Eu não estava ali. Ali, não havia autenticidade. Eu era um clown sujeito a um guião escrito na véspera. Comportava-me como um mau ator, representando um estranho papel. Havia naquele frontal anónimo um vazio constitutivo impeditivo de comunicação. 

Cedo entendi que o tipo de relação pedagógica determinava ou impedia a criação de vínculos e vivências cidadãs. Sem fazer do aluno cobaia de laboratório, introduzi a prática de currículo de subjetividade, décadas mais tarde chamado “projeto de vida”, a primeira das dimensões do que viria a ser o currículo tridimensional. 

No final dos anos noventa, a Teresa, presidente do Conselho Nacional de Educação me encarregou de redigir um “parecer” sobre uma proposta de lei. Decorrente de projetos como o da “gestão flexível”, uma “reorganização curricular se apresentava. O ministério propunha a introdução de uma disciplina de “educação para a cidadania”. Se a memória não me falha, creio que a “cidadania” seria ensinada em duas aulas semanais, como se uma educação cidadã, uma cidadania plena pudesse ser aprendida no rame-rame do “dar aula”, em sala de aula.


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