Voltava do Rio com uma estranha sensação de “dejá vú” e, num cantinho da Internet, me aguardava um textinho do amigo Matias com o título “O supermercado, a escola e a guerra civil”.
“Para evitar o desespero e criar novos entusiasmos, para libertar as iniciativas e suscitar a criatividade, acreditamos que é hoje mais razoável decidir mudar de viatura do que esgotarmo-nos a consertar um motor definitivamente desconsertado.
A escola transformou-se num supermercado onde os adultos distribuem conhecimentos que apenas servem para ter sucesso na escola.”
Esta é a tese de Philippe Meirieu e de George Marc, desenvolvida na obra “L’école ou la guerre civile”. Segundo os autores, as escolas são hoje máquinas, que tanto integram como excluem, e os professores que escolhem a profissão não têm condições para responder positivamente à imensidão de pedidos e mandatos sociais, trabalhando no mesmo modelo (no mesmo molde) escolar.
Para evitar o stress e a depressão profissionais, a fuga da escola e o
desinvestimento na profissão, parece urgente construir um novo sentido para a escola (sustentam os autores que o principal problema da escola é o seu projeto educativo e não a carência de meios), experimentar novas formas de organizar os saberes, de distribuir os tempos e ocupar os espaços escolares,
desmistificar a “excelência” dos exames, instituir novas modalidades de trabalho docente, de aprender e praticar a democracia deliberativa que promova e consagre os direitos das pessoas (cada vez mais ameaçadas pelas novas exclusões sociais).
Trata-se, ao fim e ao cabo, de mudar de viatura porque esta está já, irremediavelmente, gasta. De mudar de paradigma porque este já nem sequer serve a ordem taylorista para que foi criado.
E só os professores – esses seres frágeis e excecionais, como tenho vindo a escrever – podem protagonizar estas mudanças. Mas para isso é preciso um projeto político forte que os envolva e mobilize. O que, desde há muitos anos, não tem vindo a acontecer.
O José Matias escrevera esse texto em 2011. E já estávamos no novembro de 2023. Durante uma dúzia de anos, os seus colegas universitários repetiram esse jargão, na génese de leis e de pareceres, sem que nada tenha mudado. Durante cinquenta anos – refiro-me ao tempo entre a dita Revolução dos Cravos e o ano de 2023 – palestrantes tinham repetido a mesma lengalenga, nos palcos dos congressos. Milhares de cursos ministrados por competentes formadores não tinham logrado mudança, muito menos inovação. Esta só surgia nos slogans publicitários e em teses guardadas nos arquivos das universidades.
Sempre que ouvia falar de escolas “inovadoras”, de imediato, ia à sua procura. De inovação nada tinham. Não apontavam “um novo sentido para a escola”, nem nelas se experimentava” novas formas de organizar os saberes, de distribuir os tempos e ocupar os espaços escolares, desmistificar a “excelência” dos exames, instituir novas modalidades de trabalho docente, de aprender e praticar a democracia deliberativa”.
Como dizia o amigo José Matias, tratava-se, afinal, de “mudar de viatura”, porque aquela estava, irremediavelmente, gasta, de “mudar de paradigma”, porque aquele que vigorava nas escolas já nem sequer servia a ordem taylorista para que fora criado.
Talvez não por acaso, quando regressava da Marina da Glória, o amigo António, que andava observando práticas e tomando notas no chão de escolas, me ligou. Combinamos encontrar-nos na minha mátria brasileira, para repensar a Escola e tentar encontrar modos de “mudar de viatura”.