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Armação de Búzios 26 de fevereiro de 2044

Volto a Biasutti, um autor da minha predileção dos idos de setenta. Ele afirmava que o processo de aprendizagem se desenvolvia numa atmosfera que exasperava as dinâmicas emotivo-afetivas e fomentava um conformismo de superfície, mascarando o mais aceso individualismo. Seria necessário repará-la, a tempo, para a futura inserção disciplinada do indivíduo no trabalho e na sociedade. 

A espontaneidade cedia aos raciocínios abstratos. A imaginação e a fantasia apagavam-se sob o peso de exercícios impostos. Quando o professor receava perda de controlo, criava desconfiança relativamente a comportamentos infantis, que, no seu critério, não seriam aceites socialmente. 

A realidade da criança era substituída pela realidade do adulto, que nela se projetava. Até mesmo quando a escola se reivindicava de uma organização de trabalho centrada no aluno, essa situação se verificava, ou mesmo se agravava. Mas, outras correntes eram desenvolvidas, paralelamente às divagações teoricistas. 

A presunção da interferência do educador era aquilo que distinguia Neill das experiências libertárias de Hamburgo. Essa interferência apoiava-se na compreensão analítica da existência de recalcamentos e de culpabilizações na criança. O educador-analista interferia com a sua própria personalidade numa função "paternante". 

No pressuposto de que haveria aquisição de saber sem medo, a "Liberdade sem Medo" já não era a liberdade ingénua da Educaçäo Nova. O desejo da criança era resultante de múltiplas influências e Neill procurava desmitificá-las, numa fase embrionária da introdução da psicanálise na educação.

A partir das propostas de Rogers, Pagès, Peretti e Hameline (a obra deste autor que mais me marcou era de 1971), ensaiei a passagem da näo-directividade à autogestäo pedagógica, outorgando-me um papel de facilitador da elucidaçäo de motivos e de decisöes conducentes a uma efetiva aprendizagem.

Também Vasquez e Oury estavam conscientes dos perigos de uma psicanálise mal compreendida. Recusavam a análise dos atores educativos, uma formação terapêutica dos professores, e a psicanálise da própria escola. Utilizavam noções psicanalíticas, para procurar esclarecer e explicar o que se passava nos grupos. A psicoterapia institucional punha em evidência as "trocas" entre crianças e adultos, que facilitavam a compreensão e a modificação dos comportamentos. 

Hameline e, mais tarde, Snyders denunciaram armadilhas da näo-directividade e lhe  acrescentaram uma crítica do papel do professor, numa perspectiva psicanalítica. Quarenta anos mais tarde, o Rui voltaria ao assunto, para nada dizer. Como era apanágio do teoricismo nada acrescentar de conhecimento ao conhecimento existente, seria provável que, na década de trinta (após mais quarenta anos) outro teoricista voltasse ao assunto. E se confirmou a previsão. Enfim!

O teoricismo se apropriara do debate sobre Educação. Sazonalmente, o teoricismo reciclava velhos conceitos. Há cerca de vinte anos, comecei a escutar a palavra “aprendizado”, um termo usado para designar a aprendizagem de conteúdos supostamente aprendidos a partir da palração de uma dador de aula, algo que somente existia na cabecinha de teoricistas palestrantes. 

A indústria dos congressos prosperava. A mercantilização da escola pública, alastrava, exponencialmente. O teoricismo e a mercantilização se associaram, inventando novos termos para práticas fósseis. 

Era tal a dimensão da pouca vergonha, que eu cheguei a ter vergonha de ser professor. 


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