Setenta vezes comemoramos o “Dia da Liberdade”. Que 70x7 vezes ela seja comemorada! Mas que o seja no dia-a-dia das escolas e dos lares. Ditadura nunca mais!
Por que seria que não se comemorava, no dia-a-dia o fim da ditadura? Creio ter encontrado um início de resposta.
Recordo a abertura da Semana da Educação de 1998, quando a Escola da Ponte recebeu a visita do Presidente da República. No final do dia, ele apontou como preocupação maior o fato de nem todas as crianças terem acesso a um ensino básico de qualidade.
“A escola e a família são fundamentais para desenvolver a capacidade de intervenção e de influenciar o nosso tempo.
Há também responsabilidades sociais, por parte de toda a comunidade.
Os problemas da escola resolvem-se dentro e fora dela.”
Jorge Sampaio fez apelo à participação responsável e à mudança:
“É preciso recusar tendências autoritaristas e saudosistas.”
O Presidente estava atento a uma proposta de alteração da Lei de Bases, à imposição do regresso da figura do diretor, anulando práticas de direção, gestão e administração baseadas em conselhos, não-hierarquizada, como era o caso da Ponte.
Temendo o impacto de tal medida na Ponte como em outros projetos de mudança, comentou
“Não quero um País complacente com um destino escolar medíocre”.
O exercício de cidadania nas escolas regrediu, quando um decreto foi publicado e novos modos de regulação e controle foram instituídos. Quando o ministério da educação, unilateralmente e à revelia do disposto no contrato de autonomia celebrado em 2004, retirou à Ponte direitos adquiridos.
Quase meio século decorrido sobre a “Revolução do Cravos”, o povo português ainda não havia tomado consciência de que ninguém adormecera “fascista” no dia 24 de abril nem acordara “democrata” no dia seguinte.
A longa visita do Presidente da República à nossa escola terminou na reunião da Assembleia. O Presidente e a esposa intervieram, para realçar o comportamento exemplar dos alunos, o elevado sentido do exercício democrático.
Nessa noite, a televisão mostrava o final da reunião da Assembleia. Visivelmente emocionado, Jorge Sampaio se despediu, dizendo:
“Recebi de vós lições de cidadania. E peço-vos que nunca deixeis de erguer o braço, para pedir a palavra!”
Jorge Sampaio era um presidente que considerava que a cidadania "não se esgotava na escola", mas que tinha aí "elementos essenciais de consolidação". Comovido com a manifestação de cidadania dos alunos da Ponte, com a voz embargada, confidenciou:
"Um dia, aos oito anos, a professora disse-me que era eu que ia fazer o discurso semanal. Esse discurso foi comentado e criticado. Só mais tarde, percebi o quanto esta experiência de intervenção foi útil para o resto da minha vida”.
Quando, nos idos de noventa, o Presidente nos visitou, continuavam sólidas as minhas convicções. Estava próximo meio século de vida vivida, tempo de confucianamente nos livramos de dúvidas e entendermos a mensagem do “Decreto do Céu”.
Eis-me, aqui, regressando a um lugar a que me dei, convivendo com o Armindo, a Zélia, o João e velhos e bons amigos.
Estávamos a cinquenta anos de uma madrugada libertadora. Tantas datas, quantas memórias!
Eis-nos, recordando os quarenta e oito anos da chegada à Ponte e do nascimento do André.
Ao chegar aos setenta, eu “seguia o meu coração, sem passar dos limites”. Nestas puras manhãs de 2044, a Vida me ensina a ser designer de um ser humano futuro-presente, que se revê num aprendiz de utopias.