No Facebook (devereis recordar-vos desse velho recurso da Internet) dos idos de vinte, o meu amigo José falava-nos de “lideranças tóxicas” e aconselhava a existência de uma liderança transformacional, que protegesse as escolas da ameaça da balcanização, operada por forças que pululavam entre o palco e os bastidores de uma prática educacional hierárquica e autoritária.Ele elaborou um enunciado descritivo do padrão das lideranças tóxicas: centralizavam o poder e afirmavam-no de várias formas e feitios;
reservavam e controlavam a informação, para saberem mais do que os outros;
preservavam as distâncias e cultivavam o cerimonial da subserviência;
construíam dispositivos de controlo sobre rumores e boatos organizacionais;
instituíam formas tendencialmente vassálicas de relação;
eram permeáveis à prepotência e ao amiguismo, destruindo qualquer hipótese de construção de comunidades educativas;
cumpriam as orientações superiores, desvalorizando a legitimidade democrática que as colocou nesse lugar;
tinham dificuldade de escuta, não construíam laços, envenenavam relações, semeavam a discórdia.
As organizações educativas governadas por esse perfil de liderança passavam dificuldades. Prevenida pelo amigo José, a Ponte protegeu-se, celebrando com o ministério um contrato (ou termo) de autonomia.
Sucessivos relatórios de avaliação externa confirmavam a excelente qualidade da educação que na Ponte se fazia. Mas, ministros de má memória não respeitaram o acordo, impuseram novas regras, ameaçaram com o desemprego dos professores. Os professores cederam perante a intimidação, porque o cansaço era de muitos anos. E o contrato de autonomia foi para o brejo.
A maioria dos diretores, gestores, coordenadores, supervisores, secretários, existia para impedir mudanças, e a Administração agia à margem da lei, não cumprindo a Constituição, nem a Lei de Bases.
A experiência acumulada ao longo de mais de cinco décadas nos ensinou a lidar com lideranças tóxicas. Concebemos uma nova construção social de aprendizagem – poderíamos dar-lhe o nome de Rede de Comunidades de Aprendizagem (um projeto adotado pelo ministério), para ajudar a Administração a cumprir a lei.
Criados os núcleos de projeto e instalados os círculos de aprendizagem, começávamos pela análise dos planos de educação dos municípios e dos projetos das escolas.
Tivemos oportunidade de ler centenas desses documentos e nunca encontramos coerência entre o seu teor e a prática – tristemente, identificamos uma preocupante ignorância da fundamentação científica do modelo imposto pela Administração e até indícios de falsidade ideológica.
Conhecemos diretores e administradores sérios, e alguns até com conhecimentos na área das ciências da educação. Lhes manifestamos solidariedade, aconselhando-os a criar grupos de trabalho (GT), que acompanhassem o desenvolvimento dos projetos e lhes dessem fundamento legal e científico.
Infelizmente, deparamos com muitas lideranças tóxicas. Fizémo-las compreender que, tentando impedir o desenvolvimento dos projetos, continuariam a condenar muitos alunos ao insucesso escolar, o que poderia configurar delito grave: o de “abandono intelectual”.
Em alguns casos, para defender o direito à educação, fomos forçados a pedir a intervenção dos conselhos tutelares, das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, do Ministério Público, da Defensoria Pública. Tudo isso poderia ser evitado, se uma tradição de autoritarismo e impunidade não tivesse durado tanto.