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Mostrando postagens de novembro, 2024

Barretos, 30 de novembro de 2044

Neste mesmo dia de há vinte anos, voltei a Barretos. No meu andarilhar, raramente havia uma segunda vez, mas o SENAC era uma instituição que eu admirava, e não resisti ao convite que me foi dirigido. No caos do sistema educacional de São Paulo, o SENAC era exceção honrosa, possuía potencial necessário à regeneração do sistema, à humanização da formação profissional. Faltava apenas um “golpe de asa”. E a Tina manteve contato com a Fernanda a Luciana, o Juliano e com outros educadores e gestores da região, para que surgisse um 2025 auspicioso, tempo de realizações em lócus de oportunidades de inovar. E ventos de mudança, também, se anunciavam em terras de Portugal. Nos idos de setenta, a Jacinta – uma das fundadoras do Centro de Formação PROF isto escreveu numa avaliação do trabalho em círculo de estudos: “Que rigor e que exigência existem num modelo educacional, no qual, por imposição de um sistema, alunos do século XXI são “ensinados” em salas de aulas do século XIX? Mas, esse tal “sis...

Patos de Minas, 29 de novembro de 2044

Nos idos de vinte, para muitos dos improvisados candidatos à docência, o objetivo era apenas o de conseguir um diploma. Promovidos a “dadores de aulas”, reproduziam o modelo da ensinagem experienciado enquanto alunos, no tempo das aulas de blá, blá, blá e power point. Um auleiro (neologismo criado pelo amigo Pedro) queixou-se do seu magro salário e pediu-me que lhe  “ensinasse o método da Escola da Ponte”  (sic). Expliquei-lhe que não se tratava de um método, facultei-lhe dispositivos e documentos por nós utilizados e gastei muito tempo a descrever o modo como trabalhávamos. Anos depois, encontrei-o num congresso, na qualidade de palestrante. Havia descoberto que a cientificidade poderia ser substituída pela “citabilidade”. Fez doutorado… e já era consultor. Longe ia o tempo do magro salário de professor de escola pública. Nas minhas andanças pelo Brasil da Educação, encontrei consultores  “especialistas”, disfarçavam a sua ignorância sofisticando o discurso, enfeitando-o...

Campos Belos, 28 de novembro de 2044

Na sua obra  "A Educação e o Significado da Vida", Krishnamurti, diz-nos que  "a educação correta começa com o educador, que tem de se compreender a si mesmo e estar liberto de padrões de pensamento” . Eu convivia com educadores supostamente “libertos de padrões de pensamento”, que lhes tinham sido inculcados pela escola da ensinagem. E sofria, por ver que alguns desses educadores, talvez por distraída omissão, estavam mancomunados com um poder público cativo de tais padrões. Num distante novembro, entre os jovens escolarizados, havia a sensação de que aprendiam muito pouco, embora os IDEB lhes dissessem que metade aprendia (o sistema tinha alcançado o seu máximo IDEB possível), mas, na verdade, nem esse nível o modelo educacional imposto às escolas alcançaria. No disseminado ensino à distância, também pouco, ou mesmo nada, se aprendia. Só faltava reconhecer que a ensinagem presencial era tão inútil e prejudicial como a ensinagem remota.  Era frequente falar-se das virtu...

Teófilo Otoni, 27 de novembro de 2044

Enquanto colocava alguma ordem no caos dos meus arquivos, encontrei o registro de um encontro virtual em que participei, nos idos de vinte. Com o amigo Leonardo e outros extraordinários educadores dos institutos federais mineiros, vivi momentos de escuta e muitas aprendizagens. A audição desse registro suscitou a escrita desta cartinha. Há uns sessenta anos, Olivier Reboul avisava que aprender, em todos os domínios, era desaprender, mudar de hábitos no mais íntimo do ser humano. Aprender era romper com hábitos que se tornaram uma segunda natureza, abandonar pseudocertezas, afastar “obstáculos epistemológicos” oriundos da tradição e da experiência ingénua. Aprender seria desaprender, recusar as verdades primeiras, os “erros primeiros” do Gaston. No poema XXIV, Alberto Caeiro dizia-nos ser necessário desaprender. Porque apenas pensar é estar doente dos sentidos. O essencial é saber ver, saber ver quando se vê, o que exige um estudo profundo, uma aprendizagem de desaprender. Urgia incluir...

Nova Mutum, 26 de agosto de 2044

Nos idos de vinte e quatro, ainda h abitávamos a proto-história da humanidade e disso não nos dávamos conta. No tempo que nos coube em sorte viver, os homens matavam em nome de credos, usurpavam territórios em nome da paz, edificavam tribunais e prisões em nome da justiça. As frágeis instituições do início do século refletiam uma humanização precária. E a instituição Escola não constituía exceção. Fora concebida como berço de oportunidades, mas transformara-se em “berço de desigualdades”. A política educacional estava condicionada por interferência transnacionais, num projeto de modernidade ainda por cumprir. Aferia-se o estado do sistema através de estudos comparativos, como se fosse possível reduzir a realidade a cifras. Sucediam-se os decretos, os despachos, as portarias. O erário público pagava gongóricos relatórios produzidos por inúteis grupos de trabalho. Acumulavam-se no ministério e nas universidades dispendiosos “estudos”, que não logravam ir além de óbvias “recomendações”. A...

Grande Flor de Pedra, 25 de novembro de 2044

Nos idos de vinte e quatro, continuava sem entender por que razão muitas escolas erguiam barricadas e bunkers pedagógicos, quando as imperfeitas instituições que as inspiraram já denotavam alguma abertura à sociedade.  Vivíamos ainda o tempo da proto-história da Educação e da Humanidade. Mas a demanda civilizacional já levara a que até mesmo nas prisões soprassem ventos de liberdade e que muitos quartéis já fossem transformados em pousadas para turistas. O que levaria as escolas a se refugiarem atrás de muros protegidos, a se fecharem na concha da autossuficiência? As escolas dos idos de vinte eram habitadas por excelentes profissionais. Porém, se alguns consentiam que as degradações os degradassem, outros desistiam. Agitava-os, incomodava os acomodados, desassossegava-os.  Diziam: “Tens razão, é preciso mudar esta escola ensimesmada, que só produz insucesso, exclusão, violências… Mas, eu tenho medo de errar.” A insegurança e o medo, sempre o medo! A idealização da profissão e...

São José dos Campos, 24 de novembro de 2044

Há cerca de vinte anos, uma equipe de educadores lançou na Internet o convite para se “aprender em comunidade”. Era uma proposta de autoformação, que dava resposta efetiva a necessidades sociais e educacionais da contemporaneidade. O gesto de amor (mas, também, de coragem) de pouco mais de duas dezenas de educadores viria a contagiar milhares, como se tratasse da propagação de um “vírus benéfico”. As práticas, que esse benigno “vírus” preconcebeu, restabeleciam a ligação entre família, sociedade e escola, algo que a escola de modelo prussiano e da Primeira Revolução Industrial havia desfeito. Conciliava aprendizagens presenciais com aprendizagens realizadas através do recurso a tecnologias digitais de informação e comunicação. Em espaços de aprendizagem físicos e virtuais, os educadores não preparavam projetos para os alunos; construíam projetos a partir de necessidades concretas dos alunos e das suas comunidades. Não faziam inúteis planejamentos de aula; ensinavam os seus alunos a pla...

Vargem Grande, 23 de novembro de 2044

Voltei à leitura de crônicas de uma poeta que, pelos seus dezesseis anos, se fez professora. Se em outra cartinha evoquei um dos heterônimos pessoanos, nesta eu registro um episódio semelhante àquele que foi protagonizado por Cecília Meireles.  No ano anterior à sua morte, Fernando Pessoa submeteu a concurso a sua obra maior: “Mensagem”. Essa obra prima foi considerada “segunda categoria” pelo júri indicado pela ditadura salazarista. Um obscuro poetastro conquistou a “primeira categoria”.  Enquanto isso, Cecília candidatava-se à cátedra de literatura da Escola Normal. Foi preterida, porque a sua tese sobre liberdade individual não agradou ao júri. A subcultura medieval do ditador Salazar, como o submundo do negacionismo, infligiam torpes vinganças àqueles que se rebelavam. Contemporâneo da Cecília, o pedagogo Celestin Freinet, nos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, tomava consciência de uma das origens do conflito: “O s professores foram tão longamente condicionados...

Fidelândia, 22 de novembro de 2044

A Vida de Darcy Ribeiro foi um contínuo ato de Amor... e de coragem. Enfrentou uma “crise”, denunciou um “projeto”. Não se conformou – se indignou.  Quase três décadas decorridas sobre o seu desaparecimento, o seu legado era objeto de apropriação e deturpação – muito se teorizava e quase nada se praticava. Em tempo de eleições políticos oportunistas e de baixo estofo moral evocavam o seu nome e obra. Eleitos, não praticavam Darcy. Nas universidades, em congressos, formações, não faltava quem usasse e abusasse da memória do Mestre. Eram darcyniano não-praticantes, áulicos operando a segunda morte de Darcy – a morte da memória. Na política, na Universidade, no chão das escolas era escasso o número daqueles que o celebravam condignamente, honrando a memória, praticando Darcy. Ao longo do século XX, o Brasil foi pródigo em fazedores de boa educação. E um português ilustre se juntou a uma plêiade de sábios, ignorada pelos brasileiros. Entre eles, o Mestre Agostinho, para quem o mais imp...