Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de janeiro, 2025

Campos Belos, 31 de janeiro de 2045

Achei no armário das velharias recados de despedida deixados na Ponte por visitantes: “ Medo não sinto, porque não parto sozinho” . Quem nos visitava voltava para casa e para a sua escola animados de um impulso de mudança jamais concretizada – esses sonhadores raramente concretizavam projetos sonhados, pois se confrontavam com o primeiro dos obstáculos à mudança: a cultura profissional dos professores. Quando jovem, trabalhei numa escola dos cafundós de Portugal, aldeia rural, onde ainda não tinha chegado a energia elétrica. Quarenta jovens almas para cuidar, dentro de um barracão de chão de terra colado a uma corte de gado. Um frio de zero graus penetrava pelos buracos da porta e, tiritando, nos encolhíamos junto a uma improvisada lareira feita de gravetos, que as crianças apanhavam pelo caminho. Sempre que o sol aparecia, se cumpria o preceito do Comenius: não levávamos a árvore para a escola; levávamos a escola para debaixo da árvore. Não tardou que a comunidade se apercebesse de qu...

INSCRIÇÕES ABERTAS - Programa Alfabetização 45D para Portugal

O   Programa  Alfabetização 45D  - Portugal ,  é uma abordagem plurimetodológica, sistematizada pelo Instituto Identità, com a Profª Estela Giordani, em parceria com a Rede de Comunidades de Aprendizagem, com o Prof. José Pacheco e a Profª Tina Carvalho. 💭 Por que consegue alfabetizar em 45 dias? Porque usa a lógica de fazer o simples essencial (Meneghetti, 2019) - seguindo a regra de Pareto, fazer aqueles 20% que rendem 80% dos resultados, ou seja, fazer aquele mínimo que dá o máximo - o simples essencial, aquele intus (dentro) que determina aquelas precisas fenomenologias externas. De maneira segura, alfabetiza em 45 dias, construindo uma racionalidade integrada e conexa com a realidade da vida. Trata-se de uma abordagem que organiza de forma simples o essencial, por meio de um passo a passo, levando em consideração os diversos níveis de construções das crianças (individual e coletivo). Como funciona? Formação Prática e Certificada  -  Formações 100% ...

Viamão 30 de janeiro de 2045

Quase a completar 95 viagens à volta do sol, considero necessário reavivar memórias, que poderão ajudar a compreender como se chegou à Idade da Educação. Os futurólogos sempre apontaram a década de 40 como a inaugural de uma nova educação. e de um novo currículo, por mim proposto em 2025. E a  referência mais remota ao termo “currículo” remonta ao século XVII. São  várias as conceções de currículo, associadas a diferentes formas de se conceber a educação. Tradicionalmente, currículo é a seleção cultural de determinados conhecimentos e práticas. Mas não é só isso. É também o conjunto de experiências, vivências, procedimentos, opções metodológicas, modos de avaliação etc. etc. Currículo é , pois,  um conceito de vasto espectro semântico, de difícil  unanimidade. Kelly, Goodlad, Gimênio-Sacristán e muitos outros autores diferem na sua definição. Deparei com dezenas de definições, que são reflexo da época e do contexto sociopolítico em que foram produzidas, ou da co...

Nova Bassano, 29 de janeiro de 2045

Encontrei numa velha pen drive um ficheiro com várias notícias de uma mesma semana do dezembro de 2020. Na rotineira violência da favela,  o ajudante de pedreiro Alexsandro, chorava a morte da sua filha Emily e da sua sobrinha Rebeca : “Tô enterrando a minha filha, que não viveu nada”. As duas crianças foram mortas em tiroteio na Baixada Fluminense.  Emily, de quatro anos e Rebeca, de 7, brincavam na porta de casa quando foram atingidas por balas .  Foram sepultadas, uma ao lado da outra. Alexsandro fechou o túmulo com as próprias mãos. Na chamada “estrada da morte”, que tantas vezes percorri com o credo na boca, um ô nibus não autorizado para transporte de passageiros caiu de um viaduto. Morreram vinte pessoas. Numa sociedade doente, desgovernada, cativa da  inversão de valores, reinava o caos da incúria e da má educação. Escasseava o exercício da cidadania. Nas escolas, havia aulas de “educação para a cidadania”, quando se deveria educar no exercício de uma cidadan...

Guaporé, 28 de janeiro de 2045

Por que escrever histórias? – perguntareis – Porque as histórias, como a poesia, são uma linguagem do coração. O coração entende-as. E bate mais rápido. Uma história tem o poder de transformar pessoas. Então, contemo-las… Retirante baiana, a Antônia chegou à grande cidade só com os andrajos que lhe cobriam o magro corpo. Não foi o amor, mas a fome, que a fez parir dez filhos, a juntar aos oito que o seu homem já fizera em outra mulher. Iria fazer cinquenta anos, mas tinha no rosto as marcas de décadas de provações. Mais de um século decorrido sobre a Lei Áurea, havia na sociedade brasileira cidadãos de cidadania menor, que nada possuíam e a nada aspiravam. O homem da Antônia sofrera três derrames e caíra na cama para não mais se levantar. A Antônia cuidava-o com o mesmo desvelo que dedicava a um menino, que uma jovem nordestina lhe confiara, antes de se perder nos atalhos da vida e da prostituição. “O meu menino é como o meu homem, não fala nem consegue andar dois passos, mas eu peço à...

Janaúba, 27 de janeiro de 2045

Ouvi dizer que a história talvez sempre tenha sido uma luta entre o bem e o mal. E que, felizmente para a humanidade, o bem sempre acabou por vencer. Ou, como diria um filósofo do século XIX, esbatendo essa dicotomia, as vicissitudes da história foram sempre além da tensão entre bem e mal. Hoje, falar-vos-ei de quem, já no século XVI, tentava fazer o bem numa “terceira via”. Enquanto ensaiava registros de história pré-colombiana e descrevia o início de outra história – a da colonização e exploração dos povos autóctones –  o Manuel atenuava excessos dos primeiros colonos.  Eram duras as suas críticas dos costumes, quando se apercebia de que até religiosos incorriam nos mesmos erros dos leigos colonizadores:  “O mnes commixti sunt inter gentes et didicerunt opera eorum”. Manuel da Nóbrega afirmava  que possuir escravos era agir “ contra a razão” . Apelava ao rei que mandasse comissários, para libertar os escravos, porque a Inquisição não o fez e semeou a morte em ...

Alvorada do Norte, 26 de janeiro de 2045

Quando tentava colocar alguma ordem no caos dos meus velhos arquivos de papel, dei com um documento que passava por ser orientador de política educacional de uma secretaria de educação brasileira das primeiras décadas deste século. Dou-vos a conhecer parte do seu conteúdo, pois foi uma referência para aqueles educadores que, há vinte anos, inauguraram uma nova era educacional. Era um belo exemplar de proposta escolanovista e ia muito além daquilo que herdeiros de Montessori ou de Steiner praticavam. Nesse tempo, as escolas permaneciam ancoradas em práticas em tudo contrárias ao teor do documento. Os herdeiros de Freinet e de Dewey recriavam uma suposta aprendizagem centrada no aluno, “dando aula”, centrada no solitário professor. Os seguidores de Piaget e Vygotsky consumavam a psicologização da escola misturada com o sarro do paradigma instrucionista.   Em contraponto, o documento já apontava para a necessidade de a cidade se constituir em espaço educador, que possibilitasse o...

Amieiro Galego, 25 de janeiro de 2045

Estou de regresso a lugares percorridos nas minhas peregrinações de há vinte anos e carregando um fardo de tristes recordações. Sei que poderá parecer mentira, queridos netos, mas juro que, nos idos de sessenta, escutei uma professora dizer o seguinte: “O último livro, que eu li, foi no curso do magistério. Nunca mais precisei…” Fiquei atónito. A leitura não era tudo na vida, ler não era suficiente para operar mudança, mas não se poderia dispensar a teoria, porque não existe prática sem teoria. Por mais livros lêssemos, nunca seriam suficientes para resolver as nossas dificuldades de ensinagem. Compreendi isso no contexto de um projeto que concretizou utopias. Já aposentado, partilhava leituras com professores que não desistiam de se melhorar. Tinha consciência de que, por mais livros que lesse, seria sempre ignorante, dada a imensidão do conhecimento disponível. Por isso me surpreendia, quando alguém me afirmava haver professores que não liam. Talvez por isso, muitos professores agiss...

Carvalheiras, 24 de janeiro de 2045

A concretização do Projeto Fazer a Ponte não supunha apenas dedicação e profissionalismo – exigia profunda identificação com o ideário que o suportava e até mesmo algum sentido de “missão”. Só estes ingredientes tornavam humanamente gratificante o sacrifício que, diariamente, era pedido aos membros da equipa. A extrema precariedade das instalações e o número excessivo de alunos rejeitados ou abandonados por outras escolas, que na nossa encontraram uma última oportunidade de escolarização, obrigavam a um permanente e tantas vezes penoso esforço de autossuperação. A dedicação e o sacrifício têm, porém, limites. E, nos idos de noventa, muitos membros da equipa, apesar de continuarem apaixonados pelo trabalho que faziam, comunicaram-me que não estavam dispostos a continuar, se não houvesse da parte do Ministério garantias claras de que, num prazo de tempo razoável, seriam superados os estrangulamentos que ameaçavam a sobrevivência do Projeto. Consciente da delicada situação, o Manuel, pres...

Paradela, 23 de janeiro de 2045

Evoco a saga de um Agostinho brasiliense, que  partiu de Brasília para Portugal, quando a ditadura destruiu o projeto da faculdade sonhada para Brasília. O Mestre apenas pode criar um Instituto de Letras na universidade que Darcy sonhara. Agostinho da Silva passou grande parte da sua vida no exílio, por não caber no estreito espaço da "normalidade" imposta numa pátria mergulhada nos tempos sombrios de ditadura. No Brasil que o acolheu, ajudou a fundar universidades e escreveu muitos livros. Naquela que foi a sua pátria de adopção, Mestre Agostinho, procurou "infundir vida nova" em universidades, em instituições que somente cumpriam rituais desprovidos de sentido. Numa das suas obras, falou-nos de um Francisco de Assis, que também não foi um ser "normal" para a sua época, pois semeava a palavra, mostrando a todos como era possível traduzir em atos os preceitos e como se podia infundir “vida nova” no que se fora transformando em seco ritual. No meu livrinho ...