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Mostrando postagens de abril, 2025

Moreira de Cónegos, 11 de abril de 2045

Fora de Portugal, há mais de 20 anos, ao meu país voltei, amiúde, a convite de educadores, pais de alunos, autarcas empresários, diretores. Por toda a parte, unia, reunia, propunha diálogo a professores renitentes ou desistentes.     Só não conseguia demover dadores de aula do seu absurdo labor. Em terras do Atlântico Sul, o Mestre Pedro não desistia da denúncia das “ cortinas de fumaça, para encobrir uma política educacional incrivelmente perversa”: “Aprendizagem quase não existe, não levamos quase nada para a vida da escola e a série histórica do Ideb, desde 1995, escancara um sistema inepto, para não dizer inútil, sem perspetiva de mudança. A miséria educacional atravessa os governos, independentemente da ideologia, porque o instrucionismo é a postura padrão, hoje globalizada, também acolhida oficialmente no PISA: o sistema é tipicamente de “ensino”, instrução, baseada na aula copiada para ser copiada.” Certamente, estareis recordados de vos ter dito que, quando eu era apen...

Guimarães, 10 de abril de 2045

Queridos netos, sabeis que, há cerca de setenta anos, me emancipei do lecionar solitário em sala de aula e me fiz solidário. Também vos recordares de vos ter dito que, quando tentei ser solidário na universidade, deparei com uma cultura feita de solidão de... sala de aula. Professores universitários diziam ser escolanovistas, construtivistas, até pós-construtivistas, mas praticavam o instrucionismo mais primitivo que se possa imaginar. Alguns havia que enfeitavam o discurso com as falas do Freinet, promoviam encontros, apoiavam (teoricamente) professores militantes, mas a sua prática era a solitária docência. Fiquei dececionado com aquilo a que assisti nas instituições por onde passei, e recusei todos os convites para ser professor do ensino “superior”. Isso me causou um enorme prejuízo pecuniário pois, exercendo a profissão no ensino “inferior”, mesmo sendo mestre, auferia o salário de um bacharel ou licenciado. Mas, essa opção me isentou de renegar princípios. Mais tarde, já aposenta...

Aves, 9 de abril de 2045

Nos idos de vinte, contávamos já por centenas os projetos destruídos, sem que tivessem sido avaliados e antes de eu ter tomado novo rumo na faina de ajudar a mudar e a inovar, Foram muitos os dias em que quase estive para desistir da vida que levava. Desgastava-me em longas viagens, desperdiçava os meus parcos recursos num afã desgastado por pequenas e grandes deslealdades. E eram bem dolorosas aquelas que vinham “de dentro” e que punham em causa a autonomia dos projetos. Fundamentado na lei e numa ciência prudente, eu reivindicava o exercício de autonomia. Quando me sentia hesitar, recomeçava, valendo-me da inestimável solidariedade do Mestre Pedro. Queridos netos, sempre optei por não publicar escritos que a mim se referiam. Mas, já lá vão vinte anos, creio não ser necessário mantê-los confidenciais. Aqui vos deixo escritos do Mestre, pedindo-vos desculpa por falarem de mim. “A luta do Professor. Pacheco é para que seja viável a autonomia da inovação comprometida com a aprendizagem d...

Campo de Ourique, 8 de abril de 2045

O mês de abril  de dois mil e vinte e cinco foi aquilo que, hoje, se poderá chamar de “separador de águas”, foi tempo de se dissipar uma “cortina de fumaça”, que encobria uma política educacional perversa.  E o Mestre Pedro “punha o dedo na ferida”: “Como poderia alguém continuar falando a seu respeito ao educando, se o testemunho que dava era o da irresponsabilidade, o de quem não cumpria o seu dever, o de quem não se preparava ou se organizava para a sua prática, o de quem não lutava por seus direitos nem protestava contra injustiças? A prática especificamente humana é profundamente formadora – por isso, ética. Se não se pode esperar de seus agentes que sejam santos ou anjos, pode-se e deve-se deles exigir seriedade e retidão. Aprendizagem implica, naturalmente, uma abordagem integral do estudante, muito além do cognitivo, um “processo formativo”, com qualidade formal e política, tipicamente emancipatório. O protagonismo do estudante é referência formativa substancial, giran...

Lisboa, 7 de abril de 2045

Continuemos lendo aquilo que, nos idos de vinte, Pedro Demo – talvez o mais respeitável sociólogo da educação desse tempo – nos dizia: “É  lamentável que não se perceba que a escola pública dos pobres, aquela que atende a 99% dos alunos públicos, se encontre em situação de tendencial inutilidade para a grande maioria dos estudantes. Para alguns, o fato de ser “pública” é um amuleto suficiente (...) emancipatório, ainda mais constando no PPP como a última maravilha dos tempos, sem qualquer base avaliativa científica, acrescendo-se a esta hipocrisia a insinuação de que não se pode questionar, para não desconfortar. Embora seja o caso defender a escola pública como patrimônio democrático e republicano, uma coisa é defender escondendo a cara na areia, outra é defender com devida postura crítica autocrítica.” Raras eram as vozes das ciências da educação questionando o conceito e a prática de “Escola Pública”. Muito menos eram aqueles que questionavam a existência de um fóssil chamado “s...

Galeão, 6 de abril de 2045

Nos idos de vinte, se a minha amiga Bianca ou o meu amigo João vissem a foto que encima esta cartinha, perguntariam: “Cadê os canhotos”? Era esse o tipo de mesas de estudo para destros, dispostas em filas, que encontraríamos em quase todas as escolas dos quatro cantos do mundo – a hegemónica sala de aula. Quando subia a um palco de congresso, dele sempre me apetecia descer. Colocavam-me num frontal anónimo. Para suscitar o diálogo, eu perguntava: “O que quereis saber?” Sempre recebi o silêncio como resposta, o silêncio expectante de um aluno em sala de aula, de professores que não perguntavam. Ao longo da sua vida haviam escutado muitas respostas a perguntas que nunca fizeram. Centenas de anos, geração após geração, a sala de aula fora naturalizada como dispositivo central de um modelo fundado no paradigma da instrução. A sala de aula era um cemitério de talentos, um arquipélago de solidões o crematório de futuros – nela se negou a milhões de seres humanos o direito à educação. Nos ido...

Terras de Entre-os Aves, 5 de abril de 2045

Há vinte anos, por esta altura, estava prestes a partir para a margem norte do Atlântico, a visitar a minha terra. Deixava no Brasil núcleos de projeto, círculos de aprendizagem,   “turmas-piloto”, protótipos de mudança,   processos formativos desenvolvidos por professores, alunos e comunidades. Aproveitando aquilo que os professores eram e o que sabiam fazer (valorizando o saber “dar aula”), os participantes da formação em núcleo de projeto aprenderam a utilizar dispositivos pedagógicos, exercitaram a metodologia de trabalho de projeto, aprenderam a fazer roteiros de estudo, a conceber evidências de aprendizagem, a fazer portfólios de avaliação. À semelhança do educando, cada educador (tutor) desenvolvia o seu projeto de reelaboração cultural, em sucessivos roteiros de estudo, que integravam as dimensões curriculares da subjetividade, da comunidade e universal. Paralelamente, haveria lugar à  elaboração de roteiros de pesquisa, com objeto inicial igual para todos os grup...

Cabo Frio, 4 de abril de 2045

Recebi da minha amiga Bianca este pedido: “Professor, quero saber sobre a lei que atrapalha, em Portugal, e o “cala boca do Brasil”. Se puderem me mandar…” “Querida amiga, não existe lei que “atrapalhe, ou cale a boca”. As leis de bases não atrapalham, facilitam o “abrir a boca”. Aquilo que complica é a regulamentação da lei, que é elaborada segundo uma racionalidade instrumental, técnico administrativa e burocrática. De cariz instrucionista, a regulamentação compromete ou impede mudanças, e até mesmo contradiz... a lei. Bastará atentar no artigo 48º da Lei de Bases portuguesa: “ Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa". Não era isso o que acontecia em 2025. Ao longo de mais de cinco décadas, envolvido na criação de comunidades de aprendizagem, cansei-me de assistir à destruição de projetos, por via de caprichos de governantes, da incompetência de f...

Ubatuba, 3 de abril de 2045

Muitas vezes, escutei duas perguntas e respetivas respostas dadas pelos alunos da Ponte, quando mostravam a escola aos visitantes: “Onde é o gabinete do diretor?” “Aqui, não tem.” “Mas, onde está o diretor?” “Está com os alunos. Onde deveria estar?” Oficialmente, eu era o diretor e passava oito horas no  trem (perdoai que em brasilês eu me expresse), que me levava ao ministério, para prestar esclarecimentos requeridos pelos inspetores. Eu falava alhos, eles respondiam bugalhos. Dito de outro modo: eu lhes dizia por que não dava aula, porque não havia turma, nem carga horária; eles falavam de aula, de turma, de carga horária – o mesmo diálogo de surdos, que acontecia, sempre que eu conversava com diretores de ajuntamentos de escolas. A grande maioria dos diretores estava longe da prática pedagógica, há muitos anos. Lidavam com papéis, quando deveriam trabalhar com alunos. Com pais de alunos, depois em equipe de professores, fizemos orelhas moucas às ameaças do ministério. E exigíamo...

Fortaleza, 2 de abril de 2045

No Facebook (devereis recordar-vos desse velho recurso da Internet) dos idos de vinte, o meu amigo José falava-nos de “lideranças tóxicas” e a conselhava a existência de uma liderança transformacional, que protegesse as escolas da ameaça da balcanização, operada por forças que pululavam entre o palco e os bastidores de uma prática educacional hierárquica e autoritária . Ele elaborou um enunciado descritivo do padrão das lideranças tóxicas: c entralizavam o poder e afirmavam-no de várias formas e feitios; reservavam e controlavam a informação, para saberem mais do que os outros; preservavam as distâncias e cultivavam o cerimonial da subserviência; construíam dispositivos de controlo sobre rumores e boatos organizacionais; instituíam formas tendencialmente vassálicas de relação; eram permeáveis à prepotência e ao amiguismo, destruindo qualquer hipótese de construção de comunidades educativas; cumpriam as orientações superiores, desvalorizando a legitimidade democrática que as colocou nes...

Rio de Janeiro, 1 de abril de 2045

Nos idos de vinte e cinco, a Escola carecia de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica clara, baseada no saber cuidar e conviver, pois os projetos humanos contemporâneos não se coadunavam com as práticas escolares de que dispúnhamos. Requerer-se-ia que abandonássemos estereótipos e preconceitos e se transformasse uma escola obsoleta numa escola que a todos e a cada qual desse oportunidades de ser e de aprender. Precisávamos de reestabelecer interconexão entre o desenvolvimento emocional, o social e o acadêmico, ir além da introdução de paliativos, num sistema de ensino que não ensinava. Urgia conceber novas construções sociais de aprendizagem, uma Educação do século XXI que, gradual e prudentemente, substituísse um modelo educacional, que tendo dado resposta a necessidades sociais do século XIX, se manifestava inadequado na contemporaneidade. Urgia assumir o princípio que dizia serem as escolas pessoas, que participavam na produção conjunta de conhecimento, em espaços sociais ...