Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de maio, 2024

Morada das Águias, 31 de maio de 2044

Espero que tenhais podido apreciar o modo poético (outras vezes, bem mordaz…), como o Ademar foi desocultando “realidades invisíveis”. Aqui, vos deixo uma conclusão provisória de um texto exemplar:  “Tudo o que acontece na Escola da Ponte é, antes de mais, ”educação na cidadania”. Quando as crianças pesquisam, investigam e aprendem em grupo e as “mais dotadas” se responsabilizam pelo acompanhamento e o apoio à aprendizagem das “menos dotadas”. Quando as crianças, desde a iniciação, se habituam a pedir a palavra para falar e se habituam a ouvir os outros em silêncio e com a devida atenção. Quando as crianças que julgam saber mais ou ser mais capazes se sentem coletivamente estimuladas a oferecer ajuda e quando as que julgam saber menos ou ser menos capazes não se sentem inibidas de pedir ajuda. Quando as crianças, no debate diário, partilham coletivamente as suas angústias, os seus sonhos, as suas dúvidas, as suas opiniões, as suas propostas, e o fazem, sabendo que vão ser escutadas...

Morada das Águias, 30 de maio de 2044

Netos queridos,  Nesta semana, me dediquei à releitura das sábias palavras do Ademar. Nelas está presente a crítica poética de um Sistema, que buscava sobreviver a qualquer custo. E a defesa de uma escola resiliente… “Poderão os cínicos de serviço dizer que uma escola de crianças tranquilas e felizes não é, necessariamente, uma escola eficaz, entenda-se por “eficaz” o que se quiser. Poderão até dizer que numa sociedade utilitarista que lida mal com as aspirações de felicidade das pessoas, uma escola de crianças felizes é uma escola em conflito e em rutura com a sociedade, cuja existência, por isso, a própria sociedade não deveria tolerar, em nome, porventura, do reconhecimento do “direito” da criança a ser educada na e para a infelicidade, ou seja, a ser preparada para o futuro. O grosseirismo de um argumentário deste tipo, atualmente tão em voga em certos círculos mediocráticos que parecem professar, nostalgicamente, o regresso a uma escola de caserna “pura e dura”, não resiste à ...

Morada das Águias, 29 de maio de 2044

Durante esta semana, se concedeu espaço à prosa poética e denunciadora do Ademar. E nesta cartinha, sob a forma de um prefácio a um livrinho, que ele escreveu para um livro do amigo Rubem Alves: “O presente livro é, a vários títulos, um livro excêntrico. Excêntrico, desde logo, pela natureza do objeto de que se ocupa: uma escola fora da norma do menor denominador comum, que os guardiões da norma, primeiro, tentaram em vão asfixiar ou domesticar e, depois, procuraram delicadamente entronizar (e profilaticamente circunscrever) como vestígio arqueológico e excrescência crepuscular de uma certa práxis romântica e marginal de educação... Excêntrico, também, porque, entrecruzando os olhares para dentro e para fora, retira e infere a utopia da realidade e não o contrário, atrapalhando o cínico pragmatismo dos desconstrutores profissionais de utopias... Excêntrico ainda porque projeta sobre uma escola "primária", a mais “inferior” e politicamente desqualificada das escolas ditas não-...

Morada das Águias, 28 de maio de 2044

Espero que gosteis de saborear a poesia em prosa do amigo Ademar. A segunda parte do inspirado texto começava assim: “Uma miríade de micro-saberes sobre os trajetos possíveis dos educáveis na escola e na sociedade abateu-se, como um espesso e quase impenetrável nevoeiro de racionalidade, sobre o campo de visão dos práticos e profissionais da educação, turvando e hipertrofiando os seus olhares e levando-os a agir, não como promotores inteligentes e solidários de percursos de aprendizagem e de desenvolvimento pessoal diferenciados e humanamente qualificados, mas como peças menores e oscilantes de uma complexa, gigantesca e, tantas vezes, estúpida engrenagem de adestramento cognitivo e de (como diria Rubem Alves) pinoquização cultural.  A educação é um caminho e um percurso. Um caminho que de fora se nos impõe e o percurso que nele fazemos. Deviam ser, por isso, indivisíveis e indissociáveis. Como os dois olhares com que nós abrimos ao mundo. Como as duas faces, a visível e a oculta, ...

Morada da Águias, 27 de maio de 2044

Por volta do ano dois mil, o Ademar compôs um texto, que retratava na perfeição um “sistema educativo” que não educava. O texto tinha por título “As lições de uma Escola ou uma Ponte para muito longe”. E o Ademar o dedicava: “ A todos aqueles que, num quarto de século, fizeram da Escola da Ponte aquilo que ela é.  Nunca, por mais anos que viva, conseguirei dizer e significar o quanto vos devo, como cidadão, como pai e como professor.” Dar-vos-ei a conhecer esse belo naco de prosa. E nesta cartinha fica o início: “Vemos para fora e vemos para dentro. Fora, vemos apenas o que de efémero se vai oferecendo ao horizonte dos nossos olhos. Dentro, tendemos a ver o que não existe, frequentemente, o que desejaríamos que existisse… Mas, sendo embora aquele que, por inventar o que não existe, antecipa e germina o futuro, o olhar para dentro seria um olhar completamente vazio de sentido se não dialogasse permanentemente com tudo o que existe, fora dele.  Nenhuma mudança se funda no nada, ...

Trafaria, 26 de maio de 2044

Em meados do mês de maio de há vinte anos, mão amiga me enviou um vídeo, no qual um deputado da Assembleia da República assim se manifestava no plenário:  “ A escola pública não são paredes, mas sim pessoas, todas as que constroem a comunidade escolar. Precisamos de criar escolas mais livres, que valorizem os professores e profissionais, que envolvam os alunos, e que ensinem a igualdade, liberdade, e combatam o ódio.  Precisamos de abordagens pedagógicas que favoreçam a cooperação entre os alunos e uma nova organização, não baseadas em turmas, mas em comunidades de aprendizagem Precisamos de escolas livres, com mais autonomia, mais flexibilidades e de que integrem na Escola Pública novos modelos de ensino, centrados no aluno e na relação entre o professor e o aluno.  Precisamos discutir a Escola Pública, de pôr a Escola Pública como prioridade, de trazer a Escola Pública para o Século XXI.  Há muito para fazer na Escola Pública, de fazer democracia dentro das escolas...

Charneca da Caparica, 25 de maio de 2044

A Professora Cátia já tinha tentado tudo o que era possível tentar, para evitar um absurdo “fecho de escola”. Porém: “A senhora vereadora tem sempre o mesmo discurso: “aquilo não é uma escola”.” Para a senhora vereadora, o que seria “uma escola”? Aquela que foi concebida entre o século XVIII e XIX e que, para desgraça nossa, agonizava em pleno século XXI? Não seria, já, tempo de a libertar dessa agonia?  Nesse tempo, havia teorias explicativas do insucesso escolar organizadas em três domínios.  A “teoria dos dons” imputava as causas do insucesso escolar a questões genéticas, à in capacidade individual do aluno, ao seu baixo Q.I. (o do Binet e do Simon).  As teorias de origem sócio económica e cultural poderiam ser traduzidas em linguagem comum: “o pai é analfabeto e o aluno não tem livros em casa”. Raramente se falava da origem sócio institucional do insucesso, era tabu dizer-se que a Escola da sala de aula era causadora de insucesso. Nos países ditos desenvolvidos, a mel...

Pragal, 24 de maio de 2044

A Cátia contava com o apoio incondicional dos pais dos alunos: “Os pais estão, cada vez mais, cooperantes. As conversas com pais sobre o dia-a-dia dos seus filhos, a quase ausência de fichas de avaliação, a avaliação formativa começou a ganhar espaço, e os resultados são cada vez melhores.  Eis quando recebemos (ironicamente em ABRIL!) da Câmara Municipal a novidade: a Escola seria encerrada no próximo ano letivo.  Fiquei em estado de choque, ainda sem saber as razões. Até então, só tinha conhecimento de encerramento de escolas por falta de alunos, o que não acontece na nossa escola, tanto na sala de Jardim de Infância como na sala de Primeiro Ciclo.  No dia seguinte, começamos a questionar sobre as razões, começamos a participar nas reuniões de Assembleia Municipal e de Freguesia (todas em streaming), a ter reuniões com a Junta de Freguesia. E a razão que mais alegavam era a turma ser constituída por quatro anos de escolaridade, que os “especialistas” apontavam como prom...

Caparica, 23 de maio de 2044

Nos idos de vinte, vivíamos sob a ameaça da praga dos “especialistas” autores de “cartas educativas”.  Quem lesse uma dessas cartas, teria lido todas. Eram repositórios de lugares-comuns, de citações copiadas de um qualquer compêndio de pedagogia. E de “educativas” nada tinham.  Os “especialistas” eram contratados por autarquias, a troco de pagamento de inúteis “relatórios”, “projetos”, “cartas”. Havia “especialistas formados em marketing, geografia, turismo e em outras áreas. Os “especialistas” de que as autarquias falavam poderiam até ser diplomados em educação, mas o paradigma que as cartas refletiam era o de uma escola do século XIX. As cartas educativas seriam, talvez, produtos de especialistas em engenharia e construção civil, que pouco ou mesmo nada sabiam da Educação necessária.  Quando conceberam os chamados “centros educativos” e contribuíram para “fechar escolas”, os “especialistas” foram corresponsáveis pela destruição de comunidades e progressiva desertifica...

Cova da Piedade, 22 de maio de 2044

Volto à mensagem recebida da Cátia, no mês de maio de 2024:  “Olá, professor Zé! Em 2006, efetivei neste Agrupamento de Escolas, fiquei colocada numa Escola Básica. Eu já conhecia o espaço, mas agora eu ia para lá. Era diferente! Iniciei o ano com três diferentes anos de escolaridade. No princípio, e seria muito mentirosa se não o dissesse, fiquei um bocadinho perdida. Até então tinha tido apenas turmas de quarto ano.  Tanto manual e livros de fichas, tanto programa a cumprir ao mesmo tempo, e tantos alunos com saberes diferentes! Seria complicado. Ia para a escola angustiada, pois não sabia se seria capaz, não sabia se não ia falhar muitas vezes.” Este excerto da mensagem da Cátia é reveladora de uma séria tomada de consciência e de decisão ética, a que se seguiu um processo de mudança. Mas… “Professor Zé, não sei se já teve oportunidade de ler o e-mail que lhe enviei. O processo de encerramento continua e, com muita pena minha, acho que, daquilo que tenho ouvido como justifi...