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Mostrando postagens de novembro, 2025

Águas Claras, 30 de novembro de 2045

No novembro de há vinte anos, o amigo Léo nos presenteou com uma oportuna mensagem: “Bom dia!  Reelaborei o texto que comecei ontem. Segue. Se quiserem comentar, agradeço.  Confesso que essa tem sido minha forma de processar o improcessável: *A Barricada da Indiferença: Onde a Educação Encontra a Barbárie* Ainda estou digerindo o ocorrido no Cefet/RJ. É uma tristeza sem tamanho que me atinge de todos os ângulos. Estou abalado não apenas pela empatia com as vidas perdidas — duas mulheres cheias de vida e um homem atormentado —, mas pelo que esse duplo feminicídio seguido de suicídio revela sobre a nossa estrutura social e educacional. Estamos diante de um cenário onde microagressões transbordam até se tornarem atos de pura crueldade. Duas servidoras foram vítimas de uma estrutura extremamente machista, e o autor, um homem ocupando um emprego historicamente "destinado" às mulheres (pedagogo), possivelmente vivia o conflito de subordinação a uma chefia feminina. Quem ...

Cajazeiras 29 de novembro de 2045

P edi à Eliza que me emprestasse palavras para esta carta, excerto de um e-mail de há vinte anos: “Não imaginas a minha alegria de ser compelida a ler, mesmo quando os olhos se fecham involuntariamente e a cabeça e o corpo clamam por repouso.   Obrigada, muito obrigada, por reacender a chama no meu coração de educadora (...) adoro instigá-los a questionar sobre o que veem, leem, ou pretendem conhecer. É fantástico, maravilhoso o brilho nos seus olhos, quando fazem alguma conexão com algo que já sabiam, ou que finalmente faz sentido.” Nas iniciativas de Darcy se fez sentir a influência de Anísio, Nise, Freire, Nilde, Florestan e muitos outros ilustres educadores – infelizmente, Darcy não escutou a recomendação de Lauro de que não fizesse “pedagogia predial”. O início da década de sessenta foi a época de ouro da educação brasileira. Depois, sucedeu a destruição de projetos como o dos CIEP ou dos Colégios Vocacionais, o exílio. Nos idos de vinte e cinco, de milhares de projeto...

Salto, 28 de novembro de 2025

Hoje, acompanhei a Fabi e a Rosimary na última das viagens do mês de novembro. Fomos conversar com educadores do SENAC de Salto, numa tarde plena de aprendizagens – juntamos mais uma instituição ao rol daquelas que nos inspiram, onde o diálogo profícuo acontece e uma “turma piloto” pode surgir. Durante o mês de novembro, fui registrando reflexões sob a forma de cartas. Vejo, agora, que redigi um enunciado de perplexidades. As missivas falaram de escolas que anunciam novos modos de aprender. Mas, quase todas se mantêm ancoradas no modelo de ensinar, por força de circunstâncias desfavoráveis. A herança totalitária do Vargas, que liquidou os intentos da Nise, já vai longe, mas o autoritarismo da administração educacional manifesta-se em sutis modos de controle. O tempo de ditadura, que exilou Freire e Darcy, já vai longe, mas uma hierarquia mal disfarçada continua a fazer estragos e a impedir que Freire e Darcy, efetivamente, regressem do exílio. Bonsais políticos e burocratas se alia...

Poços de Caldas, 27 de novembro de 2025

Prometi-vos uma listagem de iniciativas ministeriais conduzidas por universitários teoricistas, mas, para começar, precisarei dizer-vos por que razão todas as iniciativas não lograram melhorar os sistemas de ensino. Os documentos-bases desses projetos eram, teoricamente, irrepreensíveis – eu os subscreveria – mas, na prática, eram incoerentes. Na década de sessenta e início dos anos setenta, fui escutar os universitários que elaboraram os textos de tímidas reformas, me inscrevi em formações, acreditei no discurso, embora já desconfiasse da justeza de algumas propostas, por saber que estavam longe da realidade vivida nas salas de aula do tempo da ditadura. O personalismo de Mounier e o ensino individualizado do Dottrens estavam presentes nos textos de abortadas reformas do tempo da ditadura, mas totalmente ausentes das práticas dos seus autores. Após a abertura democrática, desalentado por ver perder tantas oportunidades de mudança, já apenas dirigia um veemente apelo aos universitá...

Rio, 26 de novembro de 2025

Os projetos humanos contemporâneos não se coadunam com práticas escolares concebidas, há mais de duzentos anos e que carecem de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica baseada no saber cuidar e conviver. Urge abandonar estereótipos e preconceitos, transformando uma Escola obsoleta numa escola que a todos e a cada assegure oportunidades de ser e de aprender – que confira a todos os seres humanos o direito à educação. Urge regenerar e humanizar um sistema de ensino obsoleto, hierárquico, autoritário e corrupto, conceber novas construções socais de aprendizagem, nas quais, efetivamente, se concretize uma educação integral. Urge constituir redes de comunidades de aprendizagem, que promovam desenvolvimento humano sustentável – a educação é convivencial. Se a modernidade tende a remeter-nos para uma ética individualista, nunca será demais falar de convivência e diálogo enquanto condições de aprendizagem. A partir do que somos, do que sabemos e do que sabemos fazer, urge afirma...

Brasília, 25 de novembro de 2045

Há 20 anos, por esta altura, o vosso avô andava por Brasília, em boa companhia. Uma Alma pura me levou a participar na Marcha Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver. Mais de 100 mil mulheres negras partiram do Museu da República em direção ao Palácio do Planalto. Dessa vez, não para perpetrar um assalto, mas para reivindicar cidadania. Dez anos depois da realização da primeira “Marcha”, mulheres negras (como a Alma) e homens e mulheres de todas as cores se fizeram ouvir, carregando um legado que viera dos seus ancestrais e “projetando um futuro onde a Reparação e o Bem Viver fossem realidade para todas, todos e todes” (assim mesmo foi dito no início da Marcha, apesar de contrariar uma disposição legal, que proibia o uso do substantivo neutro “todes” – neologismo criado nesses tempos de discriminação e exclusão). Eu diria que uma Marcha dessa natureza poderia chamar-se de “Arco-íris de Humanidade”. Era evidente a segregação e maus-tratos infligidos a descendentes de escr...

Plano Piloto, 24 de novembro de 2025

E lá fui até Brasília, para conversar com gente boa do ministério (sim, gente boa, acreditai que naquele lugar mal frequentado, existe gente boa). Vivi na capital por sete anos, trabalhei (“pro bono”) com ministros, secretários de educação, escolas, instituições várias. Aprendi. Com o saudoso Isaac, o Pedro e outros insignes educadores, reaprendi Anísio, Nilde, Nise e Darcy. Com a Marta da 115 Norte e outras amigas e amigos, aprendi lealdade a princípios, mas também aprendi a proteger-me “da maldade de gente boa e da bondade da pessoa ruim”. O Chico César bem nos avisava e, um dia, vos contarei uma estória que ilustra esta sentença. Hoje, vos falarei do meu amigo António. Vai para vinte anos, o amigo António me convidou para redigir um prefácio para um livro que, se não se tivesse quedado pela teorização, prestaria um excelente serviço à causa da Escola Pública. Tratava-se de uma obra rara, dado que o seu autor habitava do chão da escola. Falava-nos de uma práxis, isto é: de uma pr...

Brasília, 23 de novembro de 2025

Há mais de cem anos, Eurípedes Barsanulfo contratou professores negros para a sua escola. Imaginai a reação dos coronéis locais! A gripe espanhola o vitimou e a sua obra entrou em declínio, se dissipou. Mas, mesmo que Eurípedes não tivesse desencarnado, o “racismo” dos fundamentalistas da época teria acabado por destruir o seu projeto. Em 1907, Eurípedes antecipava, em mais de cem anos, os movimentos antirracistas do século XXI. Ele sabia que o racismo ensinado na família, na sociedade e na escola, também se pode desaprender na família, na sociedade e na escola. No período renascentista, utopia era quase sinónimo de protesto e no século XIX, as percursoras tentativas de Fourier e Owen visaram passar ao real o ideal de Morus ou de Campanela. Importará reconhecer que, se Tomás Morus escreveu a sua “Utopia” baseado num opúsculo de Américo Vespuci, talvez seja necessário suliar a busca de novas utopias. Foi no Sul que Vespuci encontrou um mundo onde “todas as coisas eram comuns”, ond...

Nordeste de Amaralina 22 de novembro de 2025

Quando foram criadas quotas para acesso de negros à universidade, aceitei-as como medida compensatória e… transitória. Porém, lancei mais um “aviso à navegação”: acaso não regenerássemos um sistema educacional promotor de desigualdade e exclusão social, as quotas se justificariam perenemente. E assim foi. Não foi desmontada a indústria do “cursinho para o vestibular”, nem foi erradicado um ENEM que nada avalia e funciona como instrumento de “darwinismo social”. Mesmo convicto de que deveria apostar no “politicamente incorreto” e não pactuar com “pedagogias compensatórias”, vim até Brasília, para participar na “Marcha das Mulheres Negras por Bem Viver”. E aproveitei para ir conversar com amigos que ocupam centros de decisão e precisam de ajuda para cumprir um projeto político emancipatório. No mês de junho de 2020, nos Estados Unidos e em outros países, milhares de pessoas se manifestavam contra o racismo. Na Internet, um rapper comentava a fotografia de um manifestante deitado no c...

Pernambués, 21 de novembro de 2025

Na década de sessenta, Lauro tinha publicado a obra “Escola da Comunidade”. E era de comunidade de aprendizagem que o mestre Anísio, a seu modo, nos falava. O malogrado Mestre pugnava por uma nova escola, que substituísse aquela que reproduzia formas arcaicas de ensino pela “exposição oral” e “reprodução verbal”. Uma nova escola, irmanada com outras instituições de transmissão da cultura, “em uma comunidade altamente complexa e de meios de vida crescentemente especializados”. Porém, status quo res erant . No Brasil da educação ainda impera o teoricismo, o tráfico de influências e a “incompetência especializada”, reforçadas pel a indiferença de uma sociedade civil apática. Mutatis mutandis , os regulamentos paridos pelas secretarias da educação e pelo ministério nada mudam, nada alteram, são concebidos como meros paliativos dos males do “sistema”. O problema não é meramente conjuntural. Funcionários movidos por Interesses corporativistas ou outros obscuros interesses fomentam corrupçã...

Caetité, 20 de novembro de 2025

Foram muitas as horas de viagem pelas estradas do interior da Bahia, vendo garrafas e latas arremessadas por energúmenos, que dirigiam automóveis, ultrapassando em curvas. No rádio do carro, quase tudo era lixo sonoro – na terra de Caymmi, Caetano e Bethânia, nem uma só vez escutei as suas vozes. A caminho de Caetité, passei por Brumado. Ali, na margem do São Francisco, o povo sofria de... falta de água potável. O que terá tudo isso a ver com a Educação e com o Anísio? Anísio postulava que o aluno deveria ser o centro do processo de aprendizagem, mas a administração educacional impunha às escolas práticas instrucionistas, nas quais o centro era o professor. U ma secretaria citava Anísio no documento orientador da política educacional do estado (“Currículo em Movimento”). Mas o currículo imposto às escolas pela secretaria de educação impedia o “movimento”, estava parado no tempo. Os funcionários dessa secretaria chamavam “escola classe” e “escola parque” – conceitos criados por An...

Pituba, 19 de novembro de 2025

Ainda retomando o relato de ontem, descrevendo a situação das bibliotecas escolares… Raramente, via alguém dentro dessas bibliotecas, apenas funcionários, conversando, batendo teclas num computador, trocando mensagens em redes sociais. Por duas ou três vezes, assisti à pesquisa feita por alunos, assistidos por solícitos bibliotecários, por não saberem localizar os livros necessários. Também escutei a conversa de um ruidoso grupo de técnicos de uma secretaria de educação, que invadiram a biblioteca, por não haver... sala disponível para reunir. Uma criança segredou-me ao ouvido que os professores “mandavam de castigo para a biblioteca”. E acrescentou: “Mas, a senhora da biblioteca é boazinha, deixa a gente ficar no computador, na internet e a fazer jogos no telemóvel”. Um ministro fez chegar a todas as escolas e departamentos da administração educacional uma biblioteca dos professores, constituída por mais de uma centena de obras de indispensável leitura. A maioria dos professor...