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Mostrando postagens de junho, 2025

Aves, 30 de junho de 2045

Por mais inverosímil que possa parecer, tudo aconteceu do modo como relatei os fatos. Apercebendo-me de esconsas manobras políticas, enviei farta correspondência para órgãos do ministério, dado que, ainda antes de me aposentar, me apercebi de que muitas cartas, circulares e ofícios tinham “desaparecido”.  Daí que, vinte anos depois, desse a ler aos companheiros e companheiras de projeto cópias fidedignas de documentos que, durante esse tempo, guardei. Embora possas parecer maçadora, a sua leitura é obrigatória para quem quiser conhecer o “lado oculto” do projeto “Fazer a Ponte”. Aqui vai. “Na posse das conclusões da Avaliação Externa, que eram extremamente favoráveis à Escola, a administração optou, porém, uma vez mais, pelo silêncio, sonegando essa informação à opinião pública. A campanha violentíssima desencadeada contra a Escola, campanha que não olhou a meios para atingir os seus fins, e o silêncio cúmplice da administração, objetivamente recetivo à calúnia, instalaram, numa pa...

Aves, 29 de junho de 2045

  Completando a cronologia dos fatos... Muito se falou sobre a Ponte e, em particular, sobre os críticos eventos do início do século. Nem sempre se disse aquilo que, realmente, aconteceu. Por isso, creio ser oportuno dar-vos a conhecer documentos “oficiais”.  Poderá constituir uma maçada a sua leitura, mas se revela indispensável, para tentar concluirei este quase “estudo de caso”. Fica devidamente documentado, porque legitimou uma solidária intervenção, quando decorria o primeiro quartel de 2025. Entre os meses de março e setembro de 2003, muita correspondência foi trocada entre a Ponte e os órgãos de tutela. Vos dou a ler um resumo, o que me parece mais significativo. “Ex.mos Senhores Ministro da Educação As árvores que se destacam da floresta estão, naturalmente, mais expostas à observação dos admiradores, à fúria dos elementos e à cobiça dos predadores. A Escola da Ponte nº1, no contexto do sistema português de ensino, é uma dessas árvores.  Ao longo de um quarto de s...

Aves, 28 de junho de 2045

Continuo contando um pouco de uma história oculta. 4 de setembro de 2003 – A escola e a Associação de Pais denunciam, em comunicado, que “em vez de premiar a qualidade, o Ministério da Educação asfixia-a”. Terminam manifestando a sua incredulidade:  “Não acreditamos que o senhor Ministro da Educação queira ficar na história como aquele que, ao fim de 27 anos, extinguiu este projeto”. 8 de setembro de 2003 – Em comunicado, os pais da Escola da Ponte constatam: “A arrogância e a falta de sensibilidade que continuam a ser evidenciadas pelo Senhor Ministro da Educação e os seus mais próximos colaboradores”, o que os leva a pensar que “o que o Ministério pretende é mesmo acabar com este projeto”. Informam:  “A partir do dia 15, ocuparemos pacificamente as instalações da Escola e não sairemos daqui até que o governo resolva os problemas que criou”. Desde o início do projeto, os pais dos alunos foram o mais sólido apoio e amparo do projeto. Quando os pais inferiram que os seus filhos...

Aves, 27 de junho de 2045

Avivando a memória… No agosto de 2001, para tornar possível a extensão do Projeto Fazer a Ponte aos 2º e 3º ciclos do ensino básico, foi criada a Escola Básica Integrada de Aves / S. Tomé de Negrelos, em regime de experiência pedagógica, com base no Agrupamento de Escolas de Aves / S. Tomé de Negrelos.  A criação dessa escola se justificou, exclusivamente, por razões do foro pedagógico. Mas a experiência viria a revelar-se uma “armadilha”. Pequenas e grandes traições de “professores” (entre aspas por não serem merecedores desse nome) e de políticos moralmente corruptos agravaram uma crise aberta com o ministério. Em 2003, funcionários do ministério se deslocaram, várias vezes, a Vila das Aves, para aí procurar terreno para ampliação das instalações da Escola da Ponte. No dia 24 de março de 2003, a comunidade educativa da Escola da Ponte, em carta dirigida ao Ministro da Educação e ao Presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso manifesta a sua insatisfação e indignação: “Há um tem...

Aves, 26 de junho de 2045

Num auspicioso final do fevereiro de há vinte anos, no meio do cortejo de horrores em que a comunicação social se tinha transformado, eis que surge uma boa notícia: o nosso conterrâneo Luís Henrique Fernandes era oficializado Novo Diretor Geral da DGAE (Direcção-Geral da Educação). Acompanhei o seu percurso profissional, prenúncio de um desfecho anunciado: após passar pela direção de um agrupamento de escolas e de um centro de formação de professores, o Henrique alcançava o topo de uma carreira da administração pública. Eu o vira crescer rodeado de bons exemplos, amparado na amorosidade da Fininha e na inquebrantável moral do amigo Fernandes, pelo que não me surpreendeu que chegasse onde chegou.  Reacendeu-se a esperança de reatar o diálogo com o ministério. Talvez tivesse chegado o tempo de repor a verdade dos fatos, de criar o “Grupo de Trabalho “, que o ministério havia reconhecido como necessário e de preparar a celebração dos cinquenta anos do projeto “Fazer a Ponte”. Liberto ...

Aves, 25 de junho de 2045

Peço ao amigo Adélio que me permita usar poéticas, inspiradas palavras suas, para traduzir o sentir que ele disse sentir no lançamento do seu segundo livro de crónicas: “No lançamento do Entre Margens 2 disse do coração que família e amigos estão todos aqui, nesta sala, cravada no coração desta minha terra Entre Margens, nesta terra… que é uma parte grande do que sou. E, por isso, quer acreditem, quer não, mesmo quando demando outras paragens, mais ou menos longínquas, nunca deixo de ver a vida e o mundo por entre os seus muitos canudos, nunca deixo de me sentir abraçado pelos seus rios, nem nunca deixo de me sentir embalado pelo sussurro das suas águas correntes.  Por isso, posso e quero gritar ao mundo e ao vento, que consegui arrecadar nesta sala, todas as joias por que tenho labutado toda a vida." Foi isso que senti, quando, na sede da nossa autarquia, fui recebido por amigos de longa data, “joias por que labutei toda a vida”. Estávamos em maio. De passagem pela minha terra, u...

Ourique, 24 de junho de 2045

Longe da pátria, nos braços da mátria brasileira, bateu a saudade das noites de São João do Porto. Em viagem pelo Alentejo, faço uma pausa recuperadora de energia, para poder chegar a Tavira, à casa do filho professor. Perto de Ourique, fui em romagem ao Castro da Cola. Foi lá que, nos idos de noventa, me interpelaram: “Você é um lírico, um romântico... um utópico.” Saibam (dizia-se “sabei”, no modo imperativo de outros tempos…) que, ao longo de uma vida de mais de noventa anos, sempre me consideraram como uma espécie de aprendiz de utopias. O certo é que partirei deste mundo tão utópico quanto pude ser. E tão ou mais utópico do que quando tinha vinte anos. No período renascentista, utopia era quase sinónimo de protesto. Múltiplas utopias habitavam o reino da fantasia e da ficção científica. Shakespeare glosou-as na peça “The Tempest”. E no século XIX, as percursoras tentativas de Fourier e Owen visaram passar ao real o ideal de Morus ou de Campanela.  Nos idos de vinte e cinco, eu...

Salvaterra de Magos, 23 de junho de 2045

E eu me interrogava: porque seria que a maioria dos professores continuava a “dar aula em sala de aula, tendo consciência de que, desse modo, negavam o direito à educação à maioria dos seus alunos? Perguntava se tinham lido a Constituição. Em Portugal, no artigo 74º, ela estabelecia seguinte: “Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar.  Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo; garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística (…)” No Brasil, o Art. 205 assim rezava: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualific...

Montemor, 22 de junho de 2045

Valerá a pena voltar a uma boa notícia publicada no Diário de Notícias de junho de 23, fazer a memória de um tempo de profundas transformações:  “Na Moita da Roda, o envolvimento com a comunidade ganhou espaço, através da Associação Pró-Futuro da Escola da Moita da Roda e dos Conqueiros.”  Por lá andavam os filhos de Michael Amado, um ex-militar, agora dedicado às áreas do desenvolvimento pessoal e social.  "O que acontece ali é único" – dizia o Michael ao DN, referindo-se ao projeto pedagógico – A escola "tradicional" não lhe fazia sentido. Nem a ele, nem a centenas – ou mesmo milhares de famílias.  “Foi essa certeza, de resto, e uma busca constante por alternativas que fizeram Andreia Ribeiro chegar ao trabalho do professor José Pacheco. A partir da Batalha (onde mora) tem mobilizado outros pais para esta mudança, que espera ver ocorrer no âmbito da Escola Pública.” O grupo promoveu, entretanto, uma tertúlia, no final de abril, e em maio convidou-me para uma série...

Leiria, 21 de junho de2045

Nos idos de vinte e cinco, era exponencial o crescimento dos chamados “centros de explicações e de estudo”. Também aumentava o “bournout” e o suicídio juvenil. Era permitido o “ensino individual” e havia empresas estrangeiras a ensinar, à distância, alunos portugueses e brasileiros. Famílias “dissidentes” possuidoras de elevado poder de compra protegiam os seus filhos, pagando aquilo que a Constituição dizia ser direito de todos e gratuito.  A escola (dita) pública, criada para garantir equidade, reproduzia um modelo escolar (e de sociedade) excludente. Entretanto, surgiriam saudáveis reações à insustentável situação.  A amiga Magda havia dito que o diretor Luís era pessoa sensível à necessidade de transformar a construção social prussiana numa nova construção social. Pude confirmar que se tratava de um educador de raiz e de um ditoso diretor, pois havia no quadro da escola professores a quem se podia chamar professor. Gente inquieta, curiosa e que, apesar dos pesares, se disp...

Capelas, 20 de junho de 2045

Nos idos de vinte e cinco, ainda havia quem confundisse “escola de rede pública” com “Escola Pública”, e quase todo o mundo (toda a gente) “achava” que escolas eram prédios com salas de aula. Para obstar ao “achismo” e no pressuposto de que “a formação dos indivíduos não se restringe ao espaço físico escolar”, elaborei uma proposta, que integrava a vida comunitária e suscitava o envolvimento e a articulação de todas as instituições e associações públicas e privadas, que tornassem a educação pública, de fato, um direito subjetivo, conforme estabelecia a Constituição – que se fizesse “Escola Pública”. O “Novas Rotas” foi um projeto de verdadeira Escola Pública, integrado na Escola Básica Integrada das Capelas, na Ilha de São Miguel, no arquipélago dos Açores. A minha amiga Conceição praticava aprendizagem em comunidade e o projeto assentava nos pressupostos teóricos da educação holística, na Lei de Bases e no Currículo Regional dos Açores, tendo por inspiração o projeto da Ponte e o do P...

Alvito, 19 de junho de 2045

A leitura do artigo do amigo Paulo, que, ontem, vos dei a conhecer, me conduziu à formulação de perguntas:  Porque seria que a solidão era a sina de quem intentava fazer Escola Pública? Em dois mil e vinte e cinco, estava sendo gestada uma nova educação, aquela que os filhos dos filhos dos nossos filhos mereciam. A compaixão e a esperança nunca esmoreceram. A freiriana esperança não morrera. Apesar dos desmandos da desgovernação, ainda havia quem “praticasse Darcy”.  As secretarias de educação brasileiras (à semelhança dos agrupamentos de escolas portugueses) diziam ter como missão proporcionar uma educação pública, gratuita e democrática, voltada à formação integral do ser humano, para que pudesse atuar como agente de construção científica, cultural e política da sociedade, assegurando a universalização do acesso à escola e da permanência com êxito no decorrer do percurso escolar de todos os estudantes.  No domínio das intenções, era essa a missão. Na prática, poucas sec...

Guimarães, 18 de junho de 2045

Nos idos de vinte e cinco, do meu amigo Paulo recebi um presente na forma de excelente reflexão, que mereceria ampla divulgação. Com a devida vénia, passo a partilhar alguns excertos: “CONFUNDIR A CONSEQUÊNCIA COM A CAUSA” "Defender a Escola Pública é reconhecer a necessidade absoluta da construção de uma relação de vínculo seguro entre o professor/outro profissional e os alunos." (…) Interessa-me, aqui, só, debater a Escola Pública (e a sua aversão à mudança, que só a prejudica). E defender a Escola Pública, não só porque é pública, valorizando-a, passará por patrocinar e incentivar uma discussão muito abrangente sobre as suas fragilidades e potencialidades: estamos no século XXI: o que queremos formar? Para o quê? Escutamos todos os intervenientes, de igual modo? A quem interessa e por que interessa? Escola pública: bem maior (e não mal menor). Defender a Escola Pública é valorizar todos os seus agentes, dos professores, passando pelos auxiliares e pelas crianças/jovens. Nã...

Ubatuba, 17 de junho de 2045

Enquanto me afastava das terras e do mar caiçaras, recordava bons momentos, reencontros, aprendizagens, e lia aquilo que a minha amiga Roze escrevera sobre o evento que preparara com muito esmero: “O Pirão das Letras acabou.  Durante três dias alimentou corações famintos por acolhimento, reconhecimento e valorização. Todos provaram da porção que precisavam. Uns gostaram mais do tempero da alegria – outros, da esperança. Teve quem também se deliciou apenas com o calor do fogo, essencial para produzir o Pirão, principalmente em tempos gélidos como os de hoje. O Pirão das Letras acabou, mas teve gente que não foi embora sem levar um tantinho dele consigo. A fartura era tanta, que deu até para levar para casa (um livro, uma memória, uma emoção, um riso, um abraço quentinho de afeto). Os braços daqueles que por três dias mexeram o pirão estão exaustos, mas as almas estão leves, como leve são os passarinhos que carregam as sementes e, assim, cumprem o propósito divino de disseminar nova ...

Paraty, 16 de junho de 2045

Continuemos didaticamente falando… Etimologicamente, a palavra didático advém do grego “didaktikós”, a arte de ensinar. Assim sendo, da Didática me servi para transmitir uma “gramática da mudança”, um “caminho das pedras” já percorrido por quem alçara pontes sobre abismos da ignorância. Como vos disse em cartinhas anteriores, no dealbar da década de vinte, eu havia abandonado a via do confronto com o sistema e me distanciado de discussões estéreis, concluindo que não deveria insistir em ruturas, mas promover integração paradigmática. Isto é: rejeitando a cartesiana segmentação do sistema de ensinagem, não abdicava das virtudes do instrucionismo, juntando-lhes as contribuições dos paradigmas da aprendizagem e da comunicação. Contornando o teoricismo reinante e fundamentalismos pedagógicos, não precisava de demonizar a sala de aula – dela partíamos para instalar praxis coerentes. Ao mesmo tempo que os tutores elaboravam roteiros de estudo, industriavam os seus tutorandos no reforço da me...

Salvador, 15 de junho de 2045

Tentando tornar menos cansativa a viagem da Sidi pelo sertão da Bahia, falamos de… Alegria. E evoquei a peculiar Alegria do Nelson, criança de precária condição social, mas sempre com um Sol de Primavera num rosto macerado pela fome e maus tratos do corpo e da alma, um rosto emanando uma Alegria genuína, como só uma criança pode expressar.  Recontei uma estória  de um tempo em que um turbilhão de brutas notícias irrompia na comunicação social: “Criança de 2 anos atira e mata mãe enquanto brincava com arma do pai”. Aproveitei uma pausa nos trabalhos do dia e convidei o Nelson para uma conversinha, num cantinho recatado. Abracei-o e nem precisei de lhe dizer o que sabia. Contendo o choro, o Nelson confessou o furto: “Professor Zé, eu tenho fome. A minha mãe não tem que nos dar de comer”.  Com um restrito e discreto grupo de professores e vizinhos, cuidamos de que nunca mais a fome açoitasse o estômago da mãe e dos irmãos do Nelson. Mas outros açoites o Nelson recebia. Chega...

Fortaleza, 14 de junho de 2045

E foi chegado o momento de praticar uma Didática da Concretização de Utopias, algo acessível a todos aqueles que assumissem o princípio que dizia que a única certeza que poderíamos ter era que tudo estava em permanente mudança. Já o Luiz Vaz o dizia: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades / Muda-se o ser, muda-se a confiança / Todo o mundo é composto de mudança / Tomando sempre novas qualidades.” Tratava-se de uma Didática testada ao longo de cinco décadas de sistemática repetição de erros, experienciada no chão de escolas onde uma nova educação surgia, em lugares onde despontava uma Nova Humanidade. Enfim! Poderia retirar-me de cena. O drama transformador duraria ainda uns vinte anos, exatamente quantos passaram desde que o vosso avô passou a acompanhar aprendizagens alheias e se remeteu para uma aprendizagem de si. Já longe vai o tempo de esperança e resiliência – em 2045, os ecos de ignomínia e de ilusórias promessas se apagaram. Ainda não vivemos na Terra Prometida pelos anuncia...

Barca d’Alva, 13 de junho de 2045

Na obra “TEXTOS E ENSAIOS FILOSÓFICOS”, Mestre Agostinho assim se expressa: "Talvez um dia, caídas todas as grilhetas da economia, mesmo as da abundância, que poderão ser ainda mais difíceis que as da fome, possam os homens do mundo inteiro ascender à verdade total, a que não tem filosofia, nem ciência, nem obra de arte; a que, ao ser, tudo destrói; a que nenhuma roupagem contorna como vulto; a quem nenhum espelho reflete como face”. Agostinho foi um anunciador de novos e auspiciosos tempos, tendo vivido tempos ignominiosos, durante os quais eu acolhia queixas de jovens almas censuradas: “Sou diretor de uma escola estadual e estou vivendo dias sem sono e diversos momentos de desmotivação. Quando fiz o concurso para diretor escolar, pensei que poderia mudar a estrutura, pensar em movimentações bem próximas ao modelo de educação democrática, que tanto aprendi com seus dicionários e o “Aprender em Comunidade”. Hoje em dia, vivo dias de revolta e de cobrança por estar pensando que não...

Resende, 12 de junho de 2045

  Volto às preciosas falas do meu amigo José: “Retomando o busílis central da questão (…) as arquiteturas, espaços, horários, cronogramas de aulas e agrupamentos de estudantes nas escolas devem ser reimaginados e elaborados para desenvolver as capacidades dos indivíduos para trabalharem juntos. O ambiente construído e o design inclusivo (inclusive design) têm valor pedagógico por si mesmos e influenciam o que ocorre em espaços compartilhados de aprendizagem. As culturas de colaboração também devem orientar a administração e gestão das escolas, bem como as relações entre as escolas, para fomentar redes robustas de aprendizagem, reflexão e inovação.” Falemos de tempo. Eu me lembrava de ter escutado algo semelhante ao que o José escreveu, mas …50 anos antes de ter escrito esse naco de prosa. Uma escolinha que o José bem conhecia tinha diversificado espaços, tornado possível o trabalho em equipe, modificara a arquitetura numa “escola de área aberta”, instituíra uma “cultura de colabora...

Vila Franca de Xira, 11 de junho de 2045

  Num “10 de Junho’ de há vinte anos (“Dia de Camões”), Lídia Jorge nos alertava para a possibilidade de loucos atingirem o poder, num discurso em que condenou o racismo, a escravatura e a cultura da mediocridade. Na sua intervenção citou Shakespeare, Camões e Cervantes, “três autores que perceberam bem que, em dado momento, é possível que figuras enlouquecidas, emergidas do campo da psicopatologia, assaltem o poder e subvertam todas as regras da boa convivência”. “O poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico, faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, se sinta como a terra é disputada. E os cidadãos são apenas público que assiste a espetáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores e os seus ídolos são fantasmas”. Lídia não se referia a futuros desmandos. Já nessa altura, eram muitos os loucos instalados nas esferas do poder. E ela denunciava “a fúria revisionista que assaltava pe...